ESPECIAL: Do Começo ao Fim estreia hoje em Recife

Aluizio Abranches é um cineasta movido pela inquietação. Em seu filme de estreia, ‘Um Copo de Cólera’ (1999), ele criou um clima tenso e contundente ao dissecar a relação amorosa de um casal. Em seguida, propôs uma intrigante discussão da participação feminina na questão do poder em ‘As Três Marias’ (2002). Agora, em seu novo longa, ‘Do Começo ao Fim’, Abranches revela a delicadeza de uma relação atípica: o amor entre dois irmãos, Thomás e Francisco. Segunda produção cinematográfica da produtora Pequena Central, o filme estreia no dia 27 de novembro.

É a partir de uma relação marcada pelos tabus do incesto e homossexualidade que o cineasta apresenta um manifesto em favor da liberdade em um mundo cada vez mais contaminado por regras e opressões. ‘O filme conta a história de um amor incondicional como uma possibilidade, como um contraponto para um mundo cheio de violência, medo e intolerância’, afirma Abranches.

A médica Julieta (Julia Lemmertz) é mãe de Francisco (interpretado por Lucas Cotrim quando criança e por João Gabriel quando adulto), fruto de seu relacionamento com o argentino Pedro (Jean-Pierre Noher). Depois da separação, ela conhece o arquiteto Alexandre (Fábio Assunção), com quem tem outro filho, Thomás (Gabriel Kaufman/Rafael Cardoso). Como cria os meninos juntos, Julieta é a primeira a perceber que no carinho dos irmãos se desenha uma sólida paixão.

Logo em sua primeira cena, aliás, ‘Do Começo ao Fim’ já revela suas intenções: sentado em um banco da maternidade, Francisco, garoto de seis anos, é conduzido por uma enfermeira até um berçário onde, através de um vidro, vislumbra pela primeira vez o irmão Thomás. Até então, o bebê mantinha os olhos fechados e só os abre para encarar Francisco, justamente o homem que vai marcar o resto de sua vida.

O primeiro indício de que os dois vivem uma relação especial é percebida por Pedro, quando os irmãos, ainda garotos, vão a Buenos Aires passar um Natal juntos com o argentino. Pedro comenta com Julieta sobre a grande cumplicidade dos meninos, mas a mãe não se alarma: ela já conhece o carinho que une os filhos e não se espanta.

Construída aos poucos, ao sabor dos pequenos acontecimentos, a relação entre os irmãos só acontece graças à figura de Julieta, que se transforma no principal alicerce do relacionamento. Abranches costuma descrevê-la como uma mulher com outra materialidade. ‘Sua personalidade se encaixa bem em uma frase de Bernard Shaw, que dizia: "‘Algumas pessoas olham para o mundo e perguntam ‘por quê?’. Eu penso em coisas que nunca existiram e me questiono ‘por que não?’’.

Sua certeza é reforçada pela presença de Rosa (Louise Cardoso), amiga e governanta dos meninos, que compartilha da cumplicidade da família.

‘Por que não?’ é a essência da resposta que Julieta oferece a Pedro. Também é o que parece dizer a expressão de seu rosto quando acompanha uma discussão de Alexandre com Francisco, que sai em defesa do irmão, repreendido pelo pai.

‘Foi realmente essencial o elenco entender a paixão daqueles meninos sem preconceito, como algo que acontece entre dois rapazes de bem com a vida’, comenta Julia Lemmertz, intrigada com o roteiro na primeira leitura. ‘Aos poucos, percebi que o filme não julga os personagens e nem ostenta um sentimento de culpa’, analisa.

Fatos marcantes na vida dos irmãos acabam consolidando sua relação. A morte de Pedro, por exemplo, quando Francisco e Thomás ainda são meninos, o que os leva novamente a Buenos Aires. E, mais decisivo, quando o filme dá um salto de 15 anos até a morte de Julieta, no momento em que já são adultos. A dor da perda os deixa mais próximos e neste momento o público passa a testemunhar a relação de amor entre os dois.

‘A liberdade de escolha é uma das principais mensagens do filme’, acredita o ator Rafael Cardoso, que interpreta Thomás já adulto. ‘Meu personagem é um cara fascinado pelo irmão, superprotegido por ele, mas jamais manipulado, mesmo nos momentos mais difíceis’.

E uma das principais provações acontece quando Thomás, exímio nadador, é convidado a treinar durante três anos na Rússia, como preparativo para disputar a Olimpíada. Inicialmente reticente, ele acaba convencido pelo irmão da necessidade de investir no próprio futuro.

A separação pesa e, enquanto Thomás se aplica nos treinamentos, Francisco passa por um período de provação – ao frequentar baladas, conhece uma garota com quem ensaia um relacionamento, mas o amor pelo irmão prevalece.

‘Acima de tudo, é uma história contada com delicadeza envolvendo pessoas comuns que aceitam naturalmente o caminho que cada um escolhe, ainda que não seja facilmente aceito pela sociedade’, conta Aluizio, que trabalhou detalhadamente no roteiro. ‘Fiquei quatro anos cuidando dessa história, tomando todas as precauções para que nenhum detalhe se transformasse em um exagero’.

A preparação para a filmagem, no entanto, não foi fácil. Abranches conta que, logo depois do primeiro dia de trabalho, passou quase duas horas conversando com Julia Lemmertz. ‘Eu precisava me sentir plenamente seguro em conduzir a história, pois só assim teria a certeza de lidar bem com a trama’. O cineasta determinou o terceiro dia de filmagem como um marco – se terminasse bem, o restante fluiria tranquilamente.

A segurança já era ambicionada desde novembro de 2006, quando a Pequena Central iniciou efetivamente a produção, tanto participando na escolha do elenco como apoiando a manutenção do roteiro original, baseado em uma estética e narrativa arrojadas. O trabalho foi iniciado mesmo com a indefinição de patrocínios – a sede da Pequena Central tornou-se o quartel general da produção, enquanto seu estúdio na Gamboa foi utilizado para a realização dos testes e sua Casa de Hóspedes serviu de abrigo para o diretor de fotografia, o suíço Ueli Steiger, sua equipe e técnicos de São Paulo.

Iniciada em 20 de setembro do ano passado, a produção de ‘Do Começo ao Fim’ seguiu conforme o previsto. ‘O Aluizio sabia exatamente o que pretendia, o que nos dava motivação e segurança’, conta João Gabriel, que interpreta Francisco já rapaz. ‘E ainda cria um clima de muita tranquilidade no set de filmagem’.

Também favoreceu o pleno entrosamento do cineasta com Ueli Steiger, diretor de fotografia responsável por megaproduções como ‘Godzilla’, ‘O Depois de Amanhã’ e ‘O Patriota’. Em ‘Do Começo ao Fim’, ele utilizou lentes especiais, pouco utilizadas no Brasil, que conferiram uma coloração pacífica às cenas. ‘Ueli manejou a câmera com movimentos lentos, ressaltando a suavidade do filme. Ele entendeu o que eu queria: um clima harmonioso’, observa Aluizio Abranches.

Já a trilha sonora especialmente composta por André Abujamra reforça o clima delicado, graças ao seu ligeiro tom minimalista.

Finalmente, o grande trunfo de Aluizio – o elenco. Julia Lemmertz é a atriz que melhor representa seus personagens femininos, presença constante em todos os longas dirigidos pelo cineasta. ‘Há um clima de cumplicidade entre nós’, conta ela. ‘Se senti alguma estranheza inicial com o roteiro, logo terminou porque confio plenamente em seu trabalho’.

Com o eixo materno garantido, Aluizio buscava o que sabia ser o ponto mais sensível do filme: os atores que interpretariam os irmãos nas duas fases de suas vidas. Sempre acompanhados dos pais durante as filmagens, Lucas Cotrim e Gabriel Kaufmann entenderam a necessidade do cineasta em representar dois irmãos quando pequenos, fase em que se descobrem grandes amigos.

Para a fase adulta de Francisco e Thomás, Aluizio encontrou primeiro João Gabriel, aluno da Casa das Artes das Laranjeiras (CAL), reconhecido centro de formação em artes cênicas do Rio de Janeiro. Seu entendimento para o papel foi tamanho que ele participou dos testes para a escolha do ator que representaria Thomás.

‘A cena que fiz com Rafael teve muita entrega’, relembra João Gabriel. ‘A gente pouco se conhecia antes do teste, mas, durante aquelas horas, não nos desgrudamos. Fizemos o teste sem pudor.’ O vídeo, já centenas de milhares de vezes acessado na internet, comprova o pleno envolvimento entre os jovens atores.

As imagens foram assistidas pelo ator Marco Nanini que, ao lado de Fernando Libonati, comanda a Pequena Central. Trata-se da segunda investida cinematográfica da dupla, habituada a trabalhar junto no teatro – a primeira foi ‘Irma Vap – O Retorno’, uma coprodução com a Copacabana Filmes de Carla Camurati. ‘Buscamos produções pequenas mas que acrescentem, que encontrem um lugar destacado em meio aos filmes em exibição’, conta Libonati. Um dinheiro bem empregado, segundo Nanini. ‘Logo que vi as primeiras imagens rodadas por Aluízio, fiquei satisfeito: são fortes, mas recheadas de carinho’, avaliou.

A produção, no entanto, enfrentou o preconceito que ainda rodeia temas considerados tabus como homossexualidade e incesto. ‘Foi muito difícil vender o filme para os empresários. Levamos vários ‘nãos’. Diziam que o conselho da empresa não ia aceitar um tema desses, alegavam problema de verba’, conta Aluizio, lembrando-se de sugestões no roteiro como trocar para duas irmãs ou ainda dois primos.

Ao final, a produção contou com a aceitação de dois investidores, mais um prêmio adicional de renda aplicado pela Pequena Central e ainda o Fundo Setorial do Audiovisual, através do seu edital, custeando os gastos de finalização. Como produtores associados, estão a Teleimage e a Quanta que, por meio do fundo IBERMEDIA, permitiu uma o produção com as empresas Takoira, na Argentina, e Monfort, na Espanha. Os produtores ainda aplicaram recursos próprios para garantir a produção do filme, que terá distribuição da Downtown, de Bruno Wainer, e da Riofilme.

Antes de mesmo de estrear, ‘Do Começo ao Fim’ já desperta a curiosidade em sites como youTube, no qual os internautas, depois de assistir à cenas de making of ou do teste dos atores, festejam o tratamento adulto e honesto de um assunto que faz parte da sociedade.

Confira imagens e vídeos do filme:












































Horário do filme em Recife:

UCI Ribeiro Recife
12h30 (sábado e domingo);
14h40, 16h50, 19h15, 21h25; 23h35 (sexta e sábado)

Via Downtown Filmes

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